MC Mascote: Colaborador do Estado
Na quarta-feira, 26 de agosto de 2015, a Quarta Conferência Funk reuniu em mesa-redonda no Museu de Arte do Rio a antropóloga Adriana Facina, a MC Deize Tigrona, o escritor Ecio de Salles, o MC Leonardo, o MC Mascote, o delegado Orlando Zaccone, o compositor Praga e eu. Aproveitei a ocasião para fazer a Mascote algumas perguntas, que transcrevo de memória, em epígrafe a seu discurso, a fim de homenageá-lo quando, no Palácio Show, em Madureira, ele comemora vinte e cinco anos de carreira.
MC Mascote: — Eu compus o hino.
CP: — Eu sei: “Alemão tu passa mal…” E quando começou a cantá-lo?
MC Mascote: — Em 1998.
CP: — Qual foi o primeiro proibidão?
MC Mascote: — O “Rap do parapapá”, mas não esse que você conhece.
CP: — Em que ano?
MC Mascote: — 1994.
MCs Mascote e Deize Tigrona à mesa da IV Conferência Funk, MAR, 26 ago. 2015
MC Mascote: — Todos falaram estar nervosos. Estou também. Se me entregarem o microfone no palco e mandarem cantar, boto a emoção para fora e vou embora sem tremer. Mas aqui, realmente… Vou expor meu pensamento neste som, neste ritmo chamado proibidão. Não é proibidão. Para mim, na minha opinião, não é proibidão! O tráfico já existe há muitos e muitos anos — (para Orlando Zaccone) o senhor, doutor, sabe até melhor que eu. Existe há muitos anos. A comunidade vinha pedindo socorro há muitos e muitos anos também. O Estado não subiu o morro para dar socorro àquele povo, que admirou, bateu palmas e apoiou quem, no Natal, é o Papai Noel do morro. Quando um morador precisava… — (esforça-se para achar palavras) é muito falso, é uma ilusão muito louca, que o morador agarrou, a esperança que o morador depositou naquele Papai Noel do morro. Quando precisava de um botijão de gás, onde o morador ia pedir? Precisava de uma cesta básica, onde o morador ia pedir o socorro? O Estado não subiu o morro para dar o socorro que aquele morador pedia. Era uma ilusão? Era. Como continua, porque a UPP… Me desculpem, eu sei que o secretário de segurança quer fazer mais, mas ao invés de botar algemas naquele camarada lá encima, o governo botou algemas — sabe em quem? — no próprio secretário, que até quer fazer mais. O morador pediu socorro. E o Estado não subiu. Foi subir quando? Quando o playboy do asfalto subiu para curtir o baile funk, para comprar droga. Aí sim! Chamou a atenção do Estado, para poder subir e fazer.
Sabem quem está falando para vocês? Um dos maiores colaboradores do Estado! O MC, que canta… proibidão? Para mim não é um proibidão. Eu me considero um colaborador do Estado. Porque através do meu rap proibidão (vocês falam que é proibidão, não julgo ninguém, a sociedade diz que é proibidão) eu pude relatar, eu e vários MCs, o que acontecia aqui em cima. Eu chamei a atenção da autoridade. Eu chamei a atenção do Estado. (eleva o tom) Olha só o que acontece aqui em cima! (grita) Socorre nós, meu irmão! Socorre nós! (pausa) Se não a gente vai ter de continuar batendo palmas para isto aqui.
Eu cantei uma realidade que um dia — minha palavra não voltou vazia — cortou minha própria carne quando eu perdi o meu irmão (quem me conhece, sabe). O que eu cantei não foi proibidão. O que eu cantei foi o que eu vivi. O que eu cantei foi o que eu presenciei. O que eu cantei foi o que um dia eu sofri. Ganhei fama? Legal, ganhei. Ganhei nome? Ganhei.
Alguém pode me responder, qualquer um aqui: Bezerra da Silva cantava proibidão? Cantava? (pausa) É claro que não, meu irmão! Ele já vinha fazendo isso. Ele já vinha alertando as autoridades, o Estado, o poder público. Ele já vinha alertando! E ninguém deu ouvidos. Precisou o funk gritar lá de cima. E gritamos bonito, hem! Gritamos bonito… O doutor falou uma frase aqui, um assunto, que em 1900 e alguma coisa… eu não sei… Eu ando trabalhando com isso desde 1992. Aquele camarada ali, o Tojão, foi o primeiro a pagar um cachê na minha vida. Primeiro dinheirinho que ganhei cantando, foi com o Tojão, Equipe Espião, Clube Íris, não é isso? Eu tenho vinte e poucos anos cantando isso. Vivo disso. Sustento minha família disso. Meu filho hoje está-se formando: um engenheiro de produção. Só que só estudei até a sexta. Mas graças a deus, através do meu funk, da minha realidade que cantei, hoje posso dar uma faculdade para meu filho. Sem precisar ir lá pedir o socorro a quem se faz presente.
Não lembro bem quando, fui convidado para um debate numa TV a cabo. E aí teve um amigo nosso — hoje ele trabalha na Xuxa, (irônico) é um grupo muito famoso: o nosso amigo. Ele criticou o proibidão. Eu falei para ele: (bandido) “Você mora onde, ô, moleque? Onde foi tua vida? Você morou onde? Você morou no morro? Você morou no morro? Você não morou no morro. Então é fácil você meter o pau no rap dos outros. Estou contando, me relatando. Isso aqui não é proibidão. Isso aqui é um relato, rapaz. É um relato!”
Eu discordo muito quando tem esta palavra: “proibidão”. Eu sei que todo o mundo está falando porque a sociedade fala mesmo. Porque eles querem (com dor) fechar os olhos para o que acontece lá, (suave e firme) mas não adianta. Pode fechar os olhos que a gente vai gritar lá de cima. E vai ter que acudir nós lá. Eu não moro lá. Não moro mais lá, graças a deus. Mas tenho a minha família que mora lá, tenho meus amigos que moram lá, que são crias comigo, que são trabalhadores, que descem.
MC Mascote conversa com MC Leonardo na Praça Mauá após mesa-redonda da IV Conferência Funk, MAR, 26 ago. 2015
Só uma coisinha que aconteceu… Tem o que? Uns três meses. Graças a deus, pago minhas contas. Não pago em dia porque sou brasileiro. Devo, não nego, pago quando puder. Mas viajando com minha esposa, promoter, e duas crianças, para fazer show em Fortaleza. Acho que nunca andaram de avião. Falei: “vou levar vocês para andar de avião”. E ficamos lá vinte dias. Só que esqueci de pagar as contas. Fui embora. E aí cortaram a minha luz. Cortaram a Net. Falei: “ah, quando chegar, não estou em casa mesmo, quando chegar a gente paga”. Eu pago. Só que cortaram sem mandar o tal do aviso dos sete dias. Enfim, cheguei, paguei as contas e falei para a Light: “vem ligar!” Ficaram dois dias para ligar minha luz. De tanto a minha esposa botar na minha cabeça, me vai eu para a delegacia para poder fazer um boletim de ocorrência, para a gente (grita) processar a Light. Que lá no morro a gente tinha gato, eu não pagava, filho. Agora que eu estou pagando minha conta direitinho vai cortar? Que é isso? Sabe o que aconteceu? Vocês vão parar de rir agora. Vocês não têm noção.
Isso aí tem é três meses que eu saí atrás. Eu fiz o B.O., mas me deu vontade, sabe de que? Eu só não tomei uma atitude para não ser preso por desacato. O delegado daquela delegacia lá da Praça Seca acabou comigo, meu irmão. O cara acabou comigo. Falou até que eu era o culpado por estar faltando água. É, porque eu gasto muita energia. Porque na minha casa tem três ares-condicionados, tem três televisões. Ele falou que eu sou o culpado: “Por causa de você, que é um dos colaboradores da falta de água no planeta”. Quase falo: “O Papa peidou, fui eu”. (a Orlando Zaccone) O cara me humilhou. Me humilhou, estou falando para o senhor, me humilhou. (levanta-se e circula no espaço entre a mesa e a plateia) Quando eu cheguei… (representa) Olha a cena! Quando eu cheguei eu fiz assim: (curva-se diante do balcão de entrega) “aqui, estou com os documentos lá”. No meio do puxado… Porque eu também fui enquadrado naquele “dezesseis MCs”, “quatorze MCs” que foram intimados a prestar depoimento. Eu fui o último. O último a ser enquadrado e o único perguntado. Falaram que eu corri. Não corri nada, não corri nada. Todo o mundo foi enquadrado: Sabrina tinha uma música, Frank tinha uma, Sapão tinha uma… Quando eu fui lá eu tinha nove! Aí o G3, falaram que o G3 cantava parecido comigo. “Então é minha também! Nove pra treze, meu amigo…” E aí, (a Orlando Zaccone) doutor, quando eu dei o documento na mão deles, já aparece lá: MC Mascote. O cara já… Meu amigo! A minha esposa, rapaz… Quase que eu mando prender ela. A minha esposa passou com a minha filha… (interpreta a esposa) A minha esposa não anda muito não, parece que ela é um pouquinho… (representa a esposa claudicante) “Vamos embora, pô!” Daqui a pouco ela: “Senta aí”. Eu fui, sentei. Ele falou: “Não cara, tá ficando maluco! Tua esposa aí, rapá!” Aí começou. Começou a sessão: “Não se faz mais homem como antigamente”. (perplexo) Não entendi não, eu falei: “Gente, eu vim aqui fazer um B.O., eu não vim ser humilhado”. Enquanto isso, do outro lado do balcão, tinha umas quinze pessoas vendo tudo aquilo. O rapaz começou: (grita) “Que? Da Light? Pagou a Light, não? Ih, porra! Ô, senhora, não sei o que tu tá fazendo com esse cara aí.” Juro, (escande as sílabas) e eu não abri a boca pra nada. Pensei, “se eu abrir a boca e falar assim: ‘senhor!’, ele vai lá: ‘tá preso por desacato’.” Não sou hipócrita, conheço vários amigos que são policiais, hoje moram no asfalto, não precisam humilhar todo o mundo. Sei que tem as pessoas boas, sei que tem as pessoas ruins em qualquer sentido. Em qualquer lugar, tem os bons e os ruins. Só que, infelizmente… só peguei ruim. Então, isso não faz o cara refletir, meu amigo? Faz!
Olha só (para Adriana Facina), a senhora falou uma coisa muito certa: (olha para o próprio braço) o negro, nós vivemos no país da (escande as sílabas) hipocrisia. Olha só, o Rei do Futebol é preto, pô, negro, pô, graças a deus, pô! O funk veio da comunidade! O nosso funk brasileiro veio da comunidade. A raiz pode vir dos Estados Unidos, mas quem fez, aqui, moldou a parada toda, fomos nós. E eu ainda vou falar mais. Tinha que pegar o funk e botar lá: “MPB”. Funk também é MPB. Eu quero ver se há música mais popular brasileira do que o funk. Estou certo ou estou errado?
FOTO: Sombras de Os Sedutores sobre as caixas de som no baile da Boca do Mato, sábado, 4 de agosto de 2007 © Vincent Rosenblatt / Agência Olhares